Sob Sarney, Senado dribla corte de R$ 150 mi anuais
Fotos: ABr, Ag.Câmara e Divulgação
Em 2009, sitiado por uma crise que o levou 11 vezes ao Conselho de Ética, José Sarney (PMDB-AP) prometera “reformar” a administração do Senado. Cavalgando o compromisso, Sarney acionou sua infantaria (Lula inclusive), driblou as acusações (de atos secretos à contratação de apaniguados) e salvou o mandato.
Decorridos dois anos, ficou pronta, em maio passado, a última versão da prometida reforma das engrenagens viciadas do Senado. Redigiu o texto Ricardo Ferraço, uma alma independente do PMDB do Espírito Santo. A coisa foi aprovada em subcomissão presidida por Eduardo Suplicy (PT-SP).
Na versão Ferraço, a reforma prevê o corte de algo como R$ 150 milhões nas despesas anuais do Senado. A lâmina atinge inclusive os gabinetes dos senadores. Para entrar em vigor, a reforma precisa ser aprovada em dois foros. Primeiro, na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Depois, no plenário do Senado.
Chama-se Eunício Oliveira (PMDB-CE) o presidente da CCJ. Recebeu o projeto das mãos de Ferraço. Comprometeu-se a levá-lo a voto na comissão. Lorota. Decorridos quase cinco meses, Eunício, um senador das cavalariças de Sarney, mantém na gaveta a proposta que atenua os pendores perdulários do Senado.
Sarney e os outros 79 senadores, inclusive os que defenderam seu afastamento da Presidência em 2009 –Pedro Simon, por exemplo— guardam obsequioso silêncio. O atualíssimo debate sobre a urgência de reforçar as arcas da saúde pública acrescenta ao silêncio do Senado um adjetivo: “É ensurdecedor”, diz Ferraço.
Aprovado por unanimidade na subcomissão da CCJ, o texto de Ferraço fixa prazo de 360 dias para o Senado redimensionar o hospital que mantém em suas dependências. Enquanto eleitores pobres enfrentam as filas no SUS e fenecem de espera, senadores, ex-senadores e servidores do Senado usufruem de uma anomalia.
Distribuído em 2.500 m², funciona no Senado um hospital com equipamentos sofisticados e cerca de cem profissionais da área de saúde. Entre eles, 48 médicos, sete odontólogos, 13 psicólogos, três fisioterapeutas, um farmacêntico, 23 técnicos em enfermagem e dois radiologistas.
No hospital do Senado, os salários começam em R$ 13,8 mil e terminam em R$ 20,9 mil. É o sonho de qualquer servidor public do SUS. No dizer de Ferraço, as instalações hospitalares do Senado constituem um “tapa na cara da sociedade brasileira.”
Por quê? Senadores, ex-senadores, funcionários do Senado e respectivos familiars dispõem de planos de saúde procidos pelo Tesouro. Coisa fina. No caso dos senadores –atuais e antigos— o Senado cobre integralmente as despesas médicas, inclusive no exterior, sem exigir um mísero centavo de contribuição.
“Qual é o sentido de manter no Senado um hospital com capacidade para atender uma cidade de porte médio?”, pergunta Ferraço. Ele mesmo responde: “Nenhum sentido.” Até recentemente, o hospital do Senado funcionava inclusive nos fins de semana. Só em horas extras, o contribuinte desembolsava R$ 3,5 milhões ao ano.
O simples debate da reforma produziu a extinção da farra. Levantamento da direção da Casa atestou que, nos fins de semana, atendia-se uma média de três pacientes. O projeto de reforma que aguarda pela boa vontade de Eunício Oliveira vai muito além das despesas hospitalares.
Sugere a redução das funções comissionadas do Senado de 2.072 para 1.129. Economia de R$ 28 milhões por ano. Propõe a poda dos cargos com direito a comissão de 1.538 para 1.220. Corte de R$ 62 milhões por ano.
Advoga o enxugamento das secretarias do Senado de 38 para meia dúzia. Cancelamento de despesas de R$ 10 milhões por ano. A reforma desce aos gabinetes dos 81 senadores. Hoje, cada senador dispõe de 12 “cargos de livre provimento”. Gente contratada sem concurso.
Em sua sacrossanta generosidade, a direção do Senado autoriza os senadores a “desdobrar” as contratações. Assim, em vez de contratar um assessor com salário de R$ 12 mil, contratam-se seis com vencimentos de R$ 2 mil cada um.
Da mágica resulta que cada senador emprega –em Brasília e nos Estados— até 79 assessores. Com a reforma, os cargos de gabinete caem de 12 para sete. Desmembrando-se os contracheques, iriam à folha até 55 auxiliares, não mais 79.
Por que diabos o projeto ainda não foi levado a voto? Confrontado com a pergunta do repórter, Ferraço solta uma gargalhada. Depois, declara: “Sinceramente, não sei.” Ele acrescenta: “Está pronto. Mas, no Senado, as coisas só andam se há vontade política.”
Ferraço recorda que que o contribuinte gastou R$ 500 mil para pôr o projeto de reforma em pé. O dinheiro desceu à caixa registradora da Fundação Getúlio Vargas em duas parcelas de R$ 250 mil.
O primeiro desembolso pagou uma proposta de reforma elaborada pela FGV em 2009, ano em que Sarney ardeu em crise. Desfigurado em debates internos, resultou em nada. Em 2010, nomeou-se uma comissão para acertar os desacertos.
Presidida por Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e relatada por Tasso Jereissati (PSDB-CE), a comissão encomendou novo estudo à FGV. Mais R$ 250 mil. Tasso perdeu o mandato de senador e nada foi votado.
Constituída em fevereiro de 2011, a comissão que teve Ferraço como relator serviu-se do relatório herdado de Tasso para produzir a nova proposta de reforma. De novo, o tetrapresidente Sarney e sua infantaria respondem com golpes de gaveta. Até quando?
Escrito por Josias de Souza às 07h29
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