Na cerimônia em que lançou um pacote de compras de R$ 8,4 bilhões para tentar reacender as fornalhas da indústria nacional, Dilma Rousseff fez ponderações sobre o medo, a crise e a responsabilidade fiscal. A pregação de aparência genérica teve um destinatário específico: o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS).
Auxiliares de Dilma informam que ela se irritara com o fato de a Câmara ter aprovado, na véspera, projeto que obriga o governo a perseguir a meta de investimento de 10% do PIB na educação (o governo propusera 7%). Abespinhara-se também com a decisão do companheiro Marco Maia de levar à pauta de votações da Câmara outros projetos que oneram as arcas do Tesouro.
A presidente acionou a ministra Ideli Salvatti, sua coordenadora política, para desativar as armadilhas. E salgou o discurso da cerimônia de anúncio do novo plano anticrise do governo. Declarou que o cenário de borrasca que eletrifica a Europa “preocupa” o Brasil, “mas não amedronta”.
Ponderou, no entanto, que é convém “ter consciência” da trovoada “para evitar que, nesse momento, sejam feitas aventuras fiscais.” Soou didática: “Aventuras fiscais é a gente se comportar como se não estivesse acontecendo nada.”
Dilma prosseguiu, em timbre professoral: “[…] É de todo importante que a sociedade, o governo federal, o Legislativo, o Judiciário, as entidades empresariais, enfim, todos nós tenhamos consciência de que a situação internacional é diferente. […] Nós não podemos ter a soberba de achar que podemos brincar à beira do precipício.”
Simultaneamente, acionados por Ideli, ministros e líderes do condomínio governista agiam para evitar que, empurrado pela pauta de Marco Maia, o plenário da Câmara descesse o penhasco que leva aos cofres do Tesouro. Agendada para o período da manhã, um projeto que reduz a jornada de trabalho dos profissionais de enfermagem para 30 horas semanais foi postergado para depois do almoço.
Auxiliado pelo ministro Alexandre Padilha (Saúde), o Planalto cuidou de informar aos líderes que, reduzindo-se a carga horária dos enfermeiros, seria necessário contratar novos profissionais para a rede do SUS. Algo que, pelas contas do governo, pode resultar numa despesa extra de mais de R$ 7 bilhões.
Num embate do PT contra si mesmo, Idelli pôs-se a operar também contra outro projeto empurrado para dentro da pauta de votações por Marco Maia: a redistribuição dos royalties do petróleo. Manobra daqui, conspira dali o Planalto conseguiu, no início da noite, esvaziar o plenário. E a sessão das “aventuras fiscais” caiu por falta de quórum.
Tomado por declarações reproduzidas em notícia da Agência Câmara, Marco Maia não se deu por achado. “Vamos fazer um esforço para destrancar a pauta na próxima semana. Eu não vou descansar enquanto não colocarmos em votação essas matérias”, disse o mandachuva petista da Câmara.
No subsolo do Planalto, insinua-se que a falta de disposição de Marco Maia para o descanso é impulsionada por interesses “menores”. Desatendido na pretensão de acomodar apadrinhados do seu grupo no Banco do Brasil, o deputado teria levado à alça de mira o ministro Guido Mantega (Fazenda), petista como ele, Ideli e Dilma.
Apinhada de profissionais de enfermagem, as galerias da Câmara converteram-se num ninho de apupos. Ouviram-se palavras de ordem contra o PT. O deputado Mendonça Prado (DEM-PE) foi ao microfone para acusar Marco Maia de “enganar” a corporação do esparadrapo e das seringas.
Alvejado, o presidente da Câmara reagiu. Disse que o colega fazia “proselitismo”. Foi à jugular: “Quem colocou essa proposta em votação foi este deputado, e o senhor nunca me procurou para defender os enfermeiros.”
Mercê dos esforços encomendados por Dilma, as ciladas foram adiadas. Mas continuarão rondando o plenário da Câmara como uma espécie de aviso. Tão insatisfeitos quanto Marco Maia, os pseud-oaliados que cederam aos apelos protelatórios do governo consideram-se credores de recompensas. Quer dizer: a brincadeira “à beira do precipício” terá novos lances
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