Tão sábio politicamente, tão experiente, José Sarney cometeu um enorme erro estratégico ao soltar nota dizendo-se alvo de uma "campanha midiática" e da sanha oposicionista só por ser aliado do governo e de Lula.
Soou falso, quase uma piada. E teve um efeito bumerangue. Sarney não ganhou os governistas, mas perdeu de vez os oposicionistas. Não conquistou um único apoio ou voto nas esquerdas ou mesmo no PT, mas chutou sua principal escora de sustentação: o DEM.
É quase aritmético. Se DEM, PSDB e PDT tiraram o apoio a José Sarney e pediram publicamente seu afastamento da presidência do Senado, isso é igual a... isolamento. Uma palavra fatal em política.
Sobraram-lhe o PMDB, com exceção dos de sempre (Jarbas Vasconcelos e Pedro Simon), e o PT, mas Sarney de bobo não tem nada e sabe muito melhor do que ninguém que o "apoio" petista é só da boca para fora. Afinal, o que sobra do PT no Senado, se Tião Viana e Aloizio Mercadante são suspeitos números um e dois de estarem por trás de parte dos vazamentos sobre maracutaias dos Sarney?
O ex-presidente da República e tri-presidente do Senado chega às vésperas de se tornar octogenário sozinho e derrotado em duas guerras em que ele atua como comandante e estrategista desde muito jovem: a guerra da opinião pública, primeiro, e a política, depois.
Sobra-lhe o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, a esta altura, não passa de apoio retórico. Lula ficou rouco de defender Sarney publicamente, mas é de se apostar que não mexeu muitas palhas para de fato salvá-lo. Se não fez isso nem com Dirceu, Palocci, Genoino, Delúbio, mensaleiros e aloprados em geral, que fazem parte do seu berço político...
A situação, pois, chegou ao limite: Sarney está isolado politicamente e rodeado por D. Marly, companheira de toda a vida, a senadora Roseana, o deputado Zequinha e o empresário Fernando, além daqueles derradeiros assessores de fato fiéis. É reunindo as pressões, percepções, sugestões, dores e tristezas que ele vai decidir.
Uma decisão solitária, como foi com ACM, Jader Barbalho e Renan, seus antecessores na presidência do Senado e no infortúnio de cair na rede da bisbilhotice de inimigos, adversários e jornalistas. O filme é igualzinho: começa com o desdém pelas denúncias, passa pela perplexidade, depois pela ira contra a imprensa e chega a veementes negativas sobre a renúncia. Até que a renúncia vem.
Sarney, hoje, tem duas opções: insistir em ficar e virar um morto-vivo na presidência, ou desistir da cadeira para preservar o mandato. Vão-se os anéis, ficam os dedos. E as denúncias.
Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Foi colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, além de diretora de redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da própria Folha em Brasília.
E-mail: elianec@uol.com.br
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