Manifestantes contrários à redução da maioridade penal protestam na sessão da CCJ (Foto: Renan Ramalho/G1)
A Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ) da Câmara aprovou nesta terça-feira (31) a admissibilidade da
proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz a maioridade penal no
Brasil de 18 para 16 anos. Trata-se do primeiro passo para o andamento
da proposta na Casa, no qual os deputados avaliam que o texto está de
acordo com a própria Constituição.
O placar da votação na CCJ foi de 42 deputados favoráveis à PEC e 17 contrários.
O texto permite que jovens com idade
acima de 16 anos que cometerem crimes possam ser condenados a cumprir
pena numa prisão comum. Hoje, qualquer menor de 18 anos que comete algum
crime é submetido, no máximo, a internação em estabelecimento
educacional.
A sessão da CCJ teve também a participação de manifestantes favoráveis à PEC (Foto: Renan Ramalho/G1)
Para avançar, a proposta agora precisa
passar pela análise de uma comissão especial de deputados, que analisam o
mérito (conteúdo) da PEC. Essa fase deve durar 40 sessões, o que leva
aproximadamente dois meses.
No fim da tarde desta terça, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), anunciou em plenário a criação do colegiado. A instalação da comissão, com a designação de membros e escolha de presidente e relator, deverá ocorrer no próximo dia 8.
Se aprovada na comissão, a proposta vai
ao plenário, onde são exigidos 308 votos, do total de 513 deputados,
para aprovação, em duas votações. Depois, a proposta precisa passar pela
CCJ do Senado e mais duas votações no plenário, onde são exigidos 49
votos entre os 81 senadores.
A PEC foi apresentada em agosto de 1993 e
ficou mais de 21 anos parada. Neste ano, a CCJ da Câmara retomou as
discussões, encerradas nesta terça após várias tentativas de adiamento
por parlamentares contrários, em minoria na comissão.
Nesta terça, deputados do PT, PC do B e
PSOL, os maiores críticos, tentaram mais uma vez impedir a votação, por
meio de manobras para alterar a ordem dos trabalhos da CCJ. Como estavam
em minoria, no entanto, foram derrotados nas votações desses pedidos.
Na sessão também estavam presentes
manifestantes contrários e a favor da PEC. Eles carregavam faixas e
cartazes e gritavam palavras de ordem. Não houve tumulto.
Ação ao Supremo
Após
a aprovação da admissibilidade, parlamentares do PT, contrário à
proposta, disseram que vão preparar uma ação a ser apresentada ao
Supremo Tribunal Federal para impedir o andamento da proposta no
Congresso.
Com base em decisões anteriores da
Corte, eles citam trecho da Constituição que impede que seja “objeto de
deliberação” proposta tendente a abolir direitos e garantias
individuais. “Ainda temos tempo de fazer um mandado de segurança e o
faremos. E temos apoio de importantes juristas, como Dalmo de Abreu
Dallari, Alexandre de Moraes e José Afonso da Silva”, disse Alessandro
Molon.
Discussão
A
liderança do governo se manifestou contra a PEC, mas boa parte dos
deputados de partidos formalmente aliados ao Planalto votaram a favor.
Os líderes do PRB, PSD e PR, por exemplo, orientaram os deputados a
votarem a favor da PEC. Na oposição, pediram votos pela admissibilidade
da proposta líderes do PSDB, DEM e SD. PMDB, PDT e PROS liberaram a
bancada. Votaram contra PT, PC do B, PSOL, PPS e PSB.
O sistema penitenciário brasileiro é uma
escola do crime. 70% dos que passam pelo sistema prisional voltam a
cometer crimes. Quando falamos do sistema infracional, a reincidência é
de 20%"
Deputado Orlando Silva (PC do B-RJ)
Falando pelo governo, o deputado e
ex-ministro do Esporte Orlando Silva (PC do B-RJ) tentou convencer os
colegas a votar contra a redução da maioridade.
“70% dos países do mundo têm a
maioridade penal a partir dos 18 anos. Uma modificação causará
estranheza por parte dos países mais avançados, das democracias mais
maduras, que aprenderam a respeitar os direitos humanos. O sistema
penitenciário brasileiro é uma escola do crime. 70% dos que passam pelo
sistema prisional voltam a cometer crimes. Quando falamos do sistema
infracional, a reincidência é de 20%”, argumentou o ex-ministro.
Na tentativa de rejeitar a
admissibilidade, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) também argumentou
que levar um jovem para o sistema penitenciário poderá torná-lo mais
violento. “Vamos seguir o exemplo do mundo, onde o conjunto de políticas
sociais para infância, adolescência e juventude, tem sim reduzido o
conflito com a lei desses jovens”, disse.
Na mesma linha, o deputado Paulo
Teixeira (PT-SP) disse que é importante aperfeiçoar outras políticas de
recuperação de jovens infratores. “Os problemas brasileiros têm que ser
resolvidos num outro plano. Queremos discutir o Estatuto da Criança e do
Adolescente, estamos inclusive reunindo assinaturas para adequações.
Essa temática, ainda que possa prosperar na CCJ, não prosperará no
plenário dessa Casa nem no Senado”, disse o petista.
O relator da proposta, Tadeu Alencar
(PSB-PE), também contrário, argumentou que a idade de 18 anos prevista
pela Constituição para a maioridade penal é uma cláusula pétrea, isto é,
uma regra que não pode ser mudada pelo Congresso.
“A vítima tem, sim, o direito de ver o
seu algoz punido. (...) O que é permitido pela Constituição é que haja
modulação entre esses dois direitos individuais"
Deputado Evandro Gussi (PV-SP)
“Trata-se de uma garantia individual,
que assegura ao adolescente ser considerado inimputável. Tal garantia
decorre do princípio da dignidade humana e cuida de proteção da infância
e da adolescência, um dos fundamentos do Estado Democrático de
Direito”, afirmou Alencar.
Favorável à proposta, o deputado Evandro
Gussi (PV-SP) argumentou que a maioridade penal deve ter uma
“modulação” para se adequar ao direito da vítima de ver punido seu
agressor. “A vítima tem, sim, o direito de ver o seu algoz punido. Há
sim um direito fundamental à persecução penal por parte da vítima. O que
é permitido pela Constituição é que haja modulação entre esses dois
direitos individuais”, afirmou o deputado.
Também favorável à PEC, o deputado
Marcos Rogério (PDT-RO) afirmou que a proposta busca reduzir a
impunidade contra atos de violência. “Essa admissibilidade não vai
prejudicar quem faz as coisas certas. Não estamos colocando jovens na
cadeia. Vamos fazer com que aqueles que cometem crimes não tenham
certeza da impunidade, só isso”.
Outro deputado favorável, Evandro
Cherini (PDT-RS) disse que a mudança pode diminuir a certeza da
impunidade. “É uma tentativa de que essa mudança possa, quem sabe,
diminuir, através do medo do crime, a certeza da impunidade, que a
sociedade toda tem. A sociedade comete crime porque tem certeza que vai
ser impune. Quem é que tem a bolinha de cristal para dizer que vai ficar
pior. Eu estou no time do Tiririca: ‘Pior que tá não fica’. É só
cumprir a lei, fazer as coisas certas. Eu não quero colocar nenhum jovem
na cadeia, acho que é horrível.”
Também a favor da redução, Felipe Maia
(DEM-RN) disse que essa posição é “majoritária nas ruas”. Ele disse que a
medida não exclui a necessidade de prover ensino em tempo integral,
para prevenir a criminalidade entre jovens, e a reforma do sistema
prisional, para efetivamente recuperar criminosos. “Isso que o Brasil e
esta comissão deseja há 22 anos”, afirmou.