A ideia de abrir uma “CPI do Cachoeira”, que flutuava há três semanas na atmosfera do Congresso como uma hipótese latente, ganhou nesta segunda (9) ares de um fato na bica de ser consumado.
Tradicional empata-CPIs, o governo decidiu fazer corpo mole. Consultada por lideranças petistas, a ministra Ideli Salvatti, coordenadora política de Dilma Rousseff, informou que o Planalto, dessa vez, não cogita interferir na decisão dos seus aliados.
O lavar de mãos de Ideli produziu efeitos instantâneos. Líder do PT no Senado, Walter Pinheiro (BA) pôs-se a defender a instalação da CPI. Em conversa com o colega Pedro Taques (PDT-MT), o líder de Dilma no Senado, José Pimentel (PT-CE), disse que os 13 senadores da bancada petista rubricarão o pedido de CPI.
Uma decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do STF, serviu de pretexto para acender o pavio do Senado. Relator do processo aberto contra os parlamentares que molharam suas reputações nos negócios ilícitos de Carlinhos Cachoeira, Lewandowski negou-se a entregar cópias dos autos ao Senado e à Câmara.
O ministro alegou que o inquérito corre em segredo. Só uma Comissão Parlamentar de Inquérito teria poderes para requisitar o papelório. Por quê? Reza a Constituição que os membros de uma CPI têm poderes de investigação análogos aos de autoridades judiciárias.
Egresso do Ministério Público Federal, o pedetê Pedro Taques também aderiu à tese da inevitabilidade da CPI. Mais do que isso: em combinação com Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), Taques começou a esboçar, já na noite passada, um requerimento de Comissão Parlamentar de Inquérito.
“Terá de ser uma comissão mista”, disse Taques ao blog. Significa dizer que será composta por senadores e deputados. Algo lógico, já que a cachoeira de denúncias engolfou, além do senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) cinco deputados. Quatro de Goiás: Carlos Leréia (PSDB), Leonardo Vilela (PSDB), Sandes Júnior (PP) e Rubens Otoni (PT). Um do Rio: Stepan Nercessian (PPS).
Pelo telefone, Taques conversou com o líder petista Walter Pinheiro, que estava fora de Brasília. Combinaram de se reunir nesta terça (10). No encontro, será possível saber até onde vai a disposição do petismo para esmiuçar os negócios ilícitos de Carlinhos Cachoeira e suas ramificações no mundo da política.
Na versão redigida por Taques, a CPI vai incluir entre os fatos a investigar o vínculo de Cachoeira com a Construtora Delta. Os indícios colecionados pelo Ministério Público e pela Polícia Federal indicam que, puxando essa ponta do novelo, os parlamentares chegarão ao governo tucano de Goiás, chefiado por Marconi Perillo, e também à administração petista do Distrito Federal, comandada por Agnelo Queiroz.
A cúpula do PT, à frente o presidente da legenda, Rui Falcão, enxerga na proposta de CPI uma oportunidade para alvejar os antagonistas da oposição –sobretudo PSDB e DEM. Ficou entendido que, para minar os rivais, o sacrifício do deputado petista Rubens Otoni seria um preço módico a pagar. Estaria o PT disposto a correr o risco de afogar também o governador Agnelo?, eis a pergunta que resta responder.
Para que uma CPI mista fique em pé, exige-se a coleta de pelo menos 27 assinaturas de senadores e 171 de deputados. Na Câmara, o deputado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP) já havia coletado mais jamegões do que o mínimo exigido pelo regimento. Mas o requerimento de Protógenes prevê uma CPI exclusiva da Câmara.
Se vingar a tese segundo a qual o mais adequado é que a comissão seja mista, será necessário correr o novo requerimento no Senado e também na Câmara. A oposição olha de esguelha para a súbita conversão do petismo ao instituto da CPI. Suspeita-se que atrás da volúpia do PT esconde-se o propósito não declarado de igualar as legendas em perversão no instante em que o STF se prepara para julgar o processo do mensalão.
Seja como for, PSDB e DEM ficariam mal se deixassem de apoiar a CPI. Na semana passada, nas pegadas da desfiliação de Demóstenes Torres, o líder do DEM na Câmara, ACM Neto (BA), declarou da tribuna que seu partido apoia a abertura da CPI. Nesta segunda (9), também o líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR), afirmou que o tucanato não negará assinaturas ao requerimento.
Observador privilegiado da conjuntura política, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) enxerga no caso Cachoeira um desses episódios que, por escandalosos, não terão como ser negligenciados. Decano do Senado, Simon avalia que a opinião pública acabará prevalecendo. “Não confio nem no Congresso, nem no Judiciário e nem no Legislativo”, disse.
”Eu confio é no povo, na manifestação do povo, na ação do povo.
Hoje isso está acontecendo.”
O grão-tucano Fernando Henrique Cardoso, que na sua época de presidente sufocou várias investigações parlamentares, costuma dizer que “não existe CPI a favor”. Ex-presidente do DEM, o hoje senador aposentado Jorge Bornahausen cunhou o célebre racionicío sobre o caráter traiçoeiro das CPIs, que “todo mundo sabe como começam, mas ninguém sabe como terminam.”
Transpostas para a cena atual, as frases de FHC e de Bornhausen como que convertem em erro político a decisão do governo Dilma de dar de ombros para a articulação pró-CPI. Alvaro Dias cuida de adicionar água num cenário já ensopado. Verbaliza a suspeita de que o pedaço ainda oculto do inquérito contra Cachoeira esconde fatos com potencial para afogar Brasília.
O vaticínio do líder tucano não parece de todo despropositado. O repórter Ilimar Franco informa que o subchefe de Assuntos Federativos da Presidência da República, Olavo Noleto, vai deixar o cargo. Descobriu-se que trocou um telefonema com o número dois da quadrilha de Cachoeira. Citado na investigação da PF, também o superintendente do Incra no DF, Marco Aurélio da Rocha, foi afastado de suas funções.
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