A cúpula política da Câmara dos Deputados, em momento de elevada sensatez, adiou para o próximo ano a votação, pelo seu plenário, da denominada reforma constitucional tributária, que o Presidente Lula tanto se esforçou para que fosse votada e aprovada ainda neste ano.
Impressionante como os fados deste segundo milênio têm sido benignos na construção do curriculum político do Presidente Lula. Acontecimentos aparentemente desfavoráveis aos seus desígnios em realidade terminam por lhe poupar infortúnios maiores. É o caso desse adiamento.
A matéria a ser apreciada pelo plenário da Câmara é o substitutivo do deputado Sandro Mabel. Em esforço de síntese pode ser intitulado babel do Mabel, tão confuso é o seu teor, misturando a natureza e a finalidade do texto normativo que se propõe a reformar. Trata-se a Constituição como se fora simples diploma legal ou regulamento. De tudo isso, o melhor é que se dê tempo para análise do seu conteúdo, que consubstancia esforço prestativo do relator, visando, atabalhoadamente, a captar apoio de variados setores do País, para a sua sustentação.
De início, cabe uma observação metodológica. Embora as alterações tributárias sejam significativas nesse substitutivo, e aí merecedoras de atenção e preocupação por parte dos padecentes tributários, que pagam os tributos que sustentam o Poder Público, a realidade é a de que o substitutivo propõe uma importantíssima modificação nas nossas finanças públicas. Matéria referente às transferências de recursos públicos, mediante os fundos que cria, e mesmo no ICMS, aplicáveis às transações interestaduais, não são de natureza tributária, mas de direito financeiro, vale dizer, a arrecadação e os créditos do ICMS na sua divisão entre Estados produtores e Estados consumidores.
A questão central constitui se determinar em face do proposto o que de fato ocorreria. Claro que isso não foi estudado ainda em profundidade. As simulações, se ocorreram, não foram abertas ao público, para que se possa aferir as reais conseqüências do financiamento, pelo ICMS, aos Estados, Distrito Federal e Municípios.
Esse capítulo ainda é mistério para o público interessado. O povo brasileiro, que sustenta tudo isso pagando os tributos que lhe infernizam a vida, sem obter o mínimo em retribuição: serviços públicos decentes.
Em catástrofes como as que o povo de Santa Catarina está padecendo, verifica-se a insuficiência da atuação do nosso Poder Público, em todos os níveis, na adoção de medidas preventivas para atenuar a ocorrência desses acontecimentos dramáticos, mediante melhor urbanização, proteção das encostas, drenagem dos rios, aperfeiçoamento da defesa civil.
Já começaram as primeiras manifestações dos governadores dos Estados que se consideram prejudicados pelas novas regras propostas. O debate merece maior abertura e divulgação não só das teses, mas dos dados para se dimensionar os efeitos das mudanças pretendidas.
Abala-se a Federação. Efetivamente centraliza-se em demasia a obtenção de receita tributária. É preciso esclarecer antecipadamente essa questão, sob pena de uma eventual reforma ficar dependente de decisão do Supremo Tribunal Federal.
De qualquer forma, o substitutivo do Mabel vale pelo que ele é – uma agenda ou elenco de matérias, pretendendo o atendimento de variados setores da nossa sociedade. Uma pauta de reivindicações e formulação de soluções canhestras.
Osiris de Azevedo Lopes Filho, advogado, professor de Direito na Universidade de Brasília (UnB) e ex-secretário da Receita Federal.
osirisfilho@azevedolopes.adv.br
Da Tribuna da Imprensa
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