Brasília, 24 abr (Lusa) - A crise das passagens aéreas no Congresso Nacional é a "ponta do iceberg de uma questão cultural grave no sistema político brasileiro", disse à Agência Lusa o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Segundo Cézar Britto, o mau uso da cota das passagens destinadas aos parlamentares, que serviram também para beneficiar parentes, amigos e namoradas que viajaram dentro do Brasil e até para o exterior, é um exemplo da "confusão entre o público e o privado".
"Servidor público significa servir ao público e não se servir do público", afirmou.
Britto afirmou que a OAB tem cobrado o tempo todo o respeito ao patrimônio pública e só não entrou com uma ação judicial neste caso, porque o Ministério Público já o tinha feito.
"A passagem deve ser destinada para atividade exclusivamente parlamentar e seu não-uso deve significar economia para o erário, e não economia para o próprio parlamentar, que poderá desviar o destino da verba para ação privada", destacou.
Para o presidente da OAB, a imagem arranhada do Congresso é ruim para a democracia, que precisa de um Parlamento forte, mas, por outro lado, estes escândalos só vêm à tona porque existe uma democracia.
Britto reconhece que o caso compromete a imagem do Brasil no exterior, embora, na sua avaliação, o país esteja vivendo o momento mais democrático da sua história.
Divergência
Na Câmara dos Deputados, o assunto está na ordem do dia e divide as opiniões dos parlamentares.
O presidente da instituição, Michel Temer, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que há dois dias anunciou medidas proibindo o uso da cota de passagens aéreas por familiares e amigos de deputados, disse na quinta-feira que pretende submeter as novas regras ao plenário.
Por serem decisões administrativas, as mudanças poderiam ser definidas em ato da Mesa Diretora, sem necessidade de aprovação em plenário.
Contudo, a pressão do chamado "baixo clero", deputados sem grande expressão política que se revoltaram com o fim da mordomia para os seus familiares, fez com que Temer resolvesse levar o assunto ao plenário.
A votação ainda não tem data marcada, mas a expectativa é que aconteça já na próxima semana, para evitar uma degradação ainda maior da imagem do Legislativo.
"Este é um debate antipático para a opinião pública, mas temos que ter coragem de enfrentá-lo. Você não pode deixar sua mulher 15 dias, 30 dias em seu Estado.
"Acho profundamente normal trazer a mulher, o filho menor a Brasília", declarou à Globo News o deputado Sílvio Costa.
O parlamentar do baixo clero, filiado ao Partido da Mobilização Nacional (PMN), admitiu ter viajado "apenas" duas vezes ao exterior com passagens pagas por verba pública.
Repercussão
Os holofotes da imprensa brasileira sobre o caso e as manifestações de indignação com mais este capítulo que mancha a credibilidade do Parlamento se contrapõem a quietude do movimento estudantil no Brasil, cuja mobilização ficou famosa na época do impeachment do presidente Collor de Mello, em 1992.
"Os estudantes revoltam-se com esses escândalos, mas existe sim uma apatia actualmente do movimento estudantil", afirmou à Agência Lusa o ex-coordenador geral do Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Brasília (UnB), Fábio Félix, de 23 anos.
Félix atribui esta apatia da União Nacional dos Estudantes (UNE), que foi fundada em 1937 e já teve uma presença marcante nos principais acontecimentos políticos e sociais do Brasil, à relação da direção majoritária do movimento com o governo.
Além disso, disse, a prioridade dos estudantes hoje é a defesa da universidade pública.
A Agência Lusa tentou entrar em contacto várias vezes com a direção da UNE, mas não obteve retorno.
UOL
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