sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Fundado em 24 de janeiro de 1985, o PFL (Partido da Frente Liberal) completou 15 anos no ano 2000 e chegou ao novo século como partido forte, com traços ideológicos, e viciado em poder. Mas também ressentido com os resultados das eleições municipais de outubro de 2000, a exclusão do comando de uma das duas Casas do Congresso em fevereiro de 2001 e o fim do mito da "unidade inabalável".

O baiano Antonio Carlos Magalhães seguiu seu rumo, com um discurso a favor da moralidade, contra a miséria e de ataque crescente ao PMDB, ao governo e ao próprio presidente Fernando Henrique Cardoso. Até romper com FHC na véspera do Carnaval de 2001. O vice-presidente da República, Marco Maciel, e o presidente do partido, senador Jorge Bornhausen, permaneciam fiéis à aliança PSDB-PFL e ao apoio a FHC.

Este livro se propõe a explicar em que circunstâncias surgiu o PFL, apontar quem são os seus principais líderes e contar a íntima, mas nem sempre tranqüila, convivência que eles desenvolveram com o poder. O partido participou de todos os governos desde a sua criação. Não foi por acaso.

Para entender o PFL, é preciso distinguir de ACM, a maior força política individual do país nas décadas de 80 e 90, a dupla Maciel e Bornhausen, os idealizadores, articuladores e fundadores do partido. A partir daí, podem-se entender as relações com FHC, lentamente construídas desde a Constituinte de 1988, e a aliança PFL-PSDB, formalizada para eleger FHC e lhe dar sustentação político-parlamentar em seus dois mandatos, iniciados em 1o de janeiro de 1995.

ACM é o velho político udenista do Nordeste, que compõe com os governantes, entra de corpo, alma e aliados nos governos e passa a vida multiplicando votos e controlando legiões de correligionários. Maciel é o pessedista, um teórico que alia a capacidade de formulação com o mais pragmático apego aos instrumentos políticos de Estado.1 Bornhausen e o próprio filho de ACM, Luís Eduardo Magalhães, que morreu em 1998, representam uma visão mais ascética, ideológica e programática e o interesse do grande capital. Não são os populares "bons de voto", mas são os verdadeiros liberais do partido. A favor da abertura econômica, da quebra dos monopólios, das privatizações, da livre concorrência. Foram, portanto, fundamentais, sobretudo no início do primeiro mandato de FHC.

O PFL, porém, foi criado não por um impulso econômico ou ideológico, mas para viabilizar o desfecho de um processo que começou com os partidos de oposição ao regime militar, expandiu-se para setores empresariais, contaminou as casernas, chegou com toda a força às ruas com a campanha das Diretas-Já e resultou na eleição do peemedebista Tancredo Neves para a Presidência da República em 1985. Na época, o termo "liberal" tinha um caráter político: traduzia a adesão de velhos aliados do regime militar ao processo de redemocratização.

Criado por uma boa causa, o PFL não se livrou do estigma de herdeiro da Arena e do PDS, partidos que apoiaram a ditadura militar. Ele inchou mais do que deveria para garantir posições estaduais e fortes bancadas no Congresso e amarga o carimbo de partido fisiológico, que não sobrevive sem "as tetas do governo", qualquer governo. Seu desempenho eleitoral, entretanto, revela vitalidade.

Nas eleições municipais de 2000, os votos foram fartos, mas insuficientes para que o PFL mantivesse posições que lhe eram especialmente caras. Teve 12.972.839 votos (15,34% do total), com um crescimento de 1,7% em relação a 1996.

Se comparados os votos dos principais partidos apenas nas capitais, o PT foi o maior vitorioso (5.242.557, ou 27,31% do total de 19.196.234 votos válidos), mas o PFL foi o segundo entre todos e o primeiro entre os aliados do governo FHC. Teve 3.369.333 votos, o que corresponde a 17,55% do total e um crescimento de 5,4% em relação a 1996. Em relação à eleição anterior, foi, aliás, o partido que proporcionalmente mais cresceu em número de votos.

Não houve, entretanto, bons motivos para comemoração. O PFL ganhou em votos, mas perdeu em postos estratégicos e em qualidade. Elegeu 1.028 prefeitos (ou 18,47% dos 5.560 do país) e ainda 9.634 vereadores (16,02% do total). Entre as capitais, manteve Salvador (BA) e Palmas (TO) no primeiro turno, mas no segundo entregou a emblemática Recife para o PT e a promissora Rio de Janeiro para o PTB (ou para o errático César Maia, ex-pefelista então no PTB). Só por pouco conseguiu manter Curitiba.

A perda do Rio e de Recife nas eleições de 2000 foi dramática para os pefelistas. Além da importância política e econômica, essas duas capitais têm um peso muito particular para a estratégia e até para o equilíbrio interno do PFL. Em 1996, a conquista do Rio, com Luiz Paulo Conde, havia quebrado um velho tabu do partido: o de não conseguir entrar, apesar de todos os esforços, nem no Rio nem em São Paulo. Ou seja, no centro nevrálgico do país. E Recife é nada mais, nada menos que a origem de alguns dos principais idealizadores e líderes do partido, à frente o vice Marco Maciel.

Perder ali e ganhar no primeiro turno em Salvador potencializou ainda mais a influência e o comando do baiano ACM, contra o grupo mais moderado e negociador liderado por Maciel e Bornhausen. Para, evidentemente, profunda tristeza do presidente FHC. Mas foi por pouco tempo.

Quem neutralizou o desequilíbrio pró-ACM foi o próprio ACM, ao radicalizar suas denúncias contra o PMDB, acusar o governo e atingir com insinuações e provocações o presidente da República. Acabou se isolando num partido de forte vocação governista. ACM acusou FHC de não ter pulso na Presidência. Depois, passou a acusá-lo de conivente com a corrupção. O sempre paciente FHC perdeu a paciência. O PFL de Maciel e Bornhausen não endossou ACM.

Se Recife é estratégico e o Rio sempre foi um desafio, o maior trauma do PFL está em São Paulo. Apesar de ter obtido 632.658 votos (11,4% dos válidos) nas eleições municipais de 2000, puxados pelo "xerife" Romeu Tuma, delegado aposentado e senador da ativa, o partido de ACM, Marco Maciel e Bornhausen jamais conseguiu entrar de fato na terra da prosperidade e de nove entre dez presidenciáveis de ontem, hoje e sempre.

Fundado principalmente como reação, ou rejeição, à vitória do paulista Paulo Maluf na convenção do PDS, em 1984, foi como se Maluf tivesse jogado sal grosso para todo o sempre nas pretensões dos dissidentes pedessistas na terra de origem do malufismo, o maior centro econômico e financeiro da América Latina.

Em contrapartida, o partido sempre esteve muito bem na foto do Congresso Nacional, onde alternou com o PMDB as presidências do Senado e da Câmara. ACM foi presidente do Senado, seu filho Luís Eduardo Magalhães e o pernambucano Inocêncio Oliveira presidiram a Câmara. Inocêncio tentou voltar ao cargo em fevereiro de 2001 e foi derrotado. Perder esse espaço precioso de poder foi um dos maiores golpes sofridos pelo partido desde a sua fundação.

Estava praticamente escrito nas estrelas que Inocêncio seria eleito na Câmara e Jader Barbalho, do PMDB, no Senado. ACM, porém, inviabilizou o desfecho. Vetou o nome de Jader, empurrou o PMDB para um acordo com o PSDB e acabou provocando indiretamente o que menos queria: a vitória de Jader no Senado, apesar de graves denúncias de corrupção, e a do tucano Aécio Neves na Câmara. Aécio ganhou no primeiro turno, com 283 (55,3%) dos 513 votos. Inocêncio teve 117 (22,9%).

O PFL foi o partido que mais perdeu, mas o maior derrotado foi ACM, que começava a perder força no Congresso, no governo, no partido e na própria Bahia, onde deputados ligados a ele passaram a tomar o rumo do PMDB. Exemplo: Benito Gama, presidente da comissão parlamentar de inquérito (CPI) que derrubou o presidente Fernando Collor em 1992. O grande poder de ACM, porém, não vinha apenas dessas fontes e fatores, mas da sua capacidade ímpar de reverberar na imprensa. ACM diz? É manchete.

DECLÍNIO E AMEAÇA

A posição privilegiada de ACM na mídia, porém, começou a caducar com a transferência gradual do controle das organizações Globo de Roberto Marinho para seus filhos, Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto. ACM, que se vangloriava de mandar e desmandar na Globo e no O Globo, não teve apoio nem do sistema, nem da mídia em geral, na pior fase de sua carreira política. Foi no primeiro semestre de 2001, quando passou a conviver com a ameaça de cassação do seu mandato de senador. A mesma mídia que ajudou a criar o mito foi decisiva para destrui-lo.

O sempre poderoso ACM começou a morrer pela boca, quando, no afã de denunciar tudo e todos, se reuniu com três procuradores da República e pronunciou uma frase pequena e fatal: "Eu tenho a lista". Confessava, assim, que o painel de votação do Senado fora violado na cassação de Luiz Estevão (o primeiro senador cassado pelos seus pares na República), e que ele tivera acesso ao resultado da violação. O polêmico procurador Luiz Francisco de Souza gravou a conversa e vazou a fita para a imprensa. Selou, assim, o destino de ACM.

Nada pode caracterizar maior "falta de decoro parlamentar" do que violar o sigilo do voto dos colegas senadores. A confissão gerou investigações, laudos, testemunhos e uma pressão política que, somados, empurraram ACM para o banco dos réus. Aos 73 anos, tentava dramaticamente salvar o próprio mandato.

Na política baiana, ACM ainda mantém um sólido cacife eleitoral e uma poderosa base de operações, mas na política nacional vive, isolado e desnorteado, o seu ocaso. Em fim de carreira, ele é o último grande cacique político brasileiro.

1 A União Democrática Nacional (UDN) foi criada em abril de 1945 e, apesar das várias facções internas, caracterizou-se como um partido de discurso moralista, unido pela aversão ao presidente Getúlio Vargas, ao comunismo e ao estatismo. O Partido Social Democrático (PSD) foi criado dois meses depois, como contraposição à UDN. Ambos foram extintos quando decretado o bipartidarismo, com a Aliança Renovadora Nacional (Arena), braço civil da Revolução de 64, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que unia as forças minoritárias de oposição ao regime.

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