sábado, 5 de setembro de 2009

O Congresso transformou-se num ‘Poder’ irrelevante

Angeli




José Sarney tem uma opinião pouco lisonjeira sobre o Congresso, uma Casa que dirige pela terceira vez.



“Confesso que sinto que estamos diminuindo muito de qualidade”, disse o morubuxaba do PMDB, numa entrevista à TV Brasil.



Para Sarney, a coisa só não desanda de vez graças a Lula. Atribui ao atual inquilino do Planalto a coesão, a harmonia que mantém as instituições funcionando.



"No dia em que nós tivermos um presidente que for tantã, aí isso aqui vira uma bagunça que não tem tamanho".



As palavras de Sarney soram como reconhecimento de uma realidade incontornável: o Congresso tornou-se um “Poder” irrelevante.



No passado, quando queria humilhar o Parlamento, o Executivo fechava-o. Nas últimas duas décadas, passou a comprá-lo.



Sob Lula, a perversão é escorada num vocábulo pomposo: governabilidade. Mero eufemismo, usado para ocultar uma palavra reles: fisiologismo.



Nos últimos dias, a oposição e até um pedaço do consórcio governista subiram no caixote. Gritam contra a urgência imposta por Lula ao pacote do pré-sal.



Ronaldo Caiado (GO), líder do DEM, resumiu numa palavra o papel atribuído ao Legislativo: “Cartório”. Limita-se a carimbar a vontade do Executivo.



Tudo dentro da lei, contudo. No caso do pré-sal, além da Constituição, a lei das leis, a urgência está escorada na lei do mais forte e na lei da selva.



O ambiente de vale-tudo foi inaugrado, ironia suprema, sob a presidênca de Sarney, herdeiro dos acordos que Tancredo, já com a barriga no balcão, celebrara.



Desde então, a pretexto de compor maiorias, os presidentes chafurdam no mercado persa em que se converteu o Congresso.



A gritaria da oposição de hoje está impregnada, por assim dizer, de oportunismo. PSDB e PFL, agora sobre o caixote, eram governo até ontem.



Deram suporte a FHC, que justificava as concessões ao rebotalho congressual invocando a "ética da responsabilidade" de Weber.



Sem a mesma erudição, Lula exime-se de teorizar sobre a devassidão. Limita-se a levá-la a um paroxismo escarnecedor.



O primeiro Legislativo brasileiro, a Assembléia Constituinte convocada por dom Pedro 1º nas pegadas da Independência, durou escassos seis meses.



O imperador fechou-o em novembro de 1823. Alegou que os parlamentares desonraram o juramento solene de "salvar o Brasil".

O Congresso seria fechado outras seis vezes: em novembro de 1891, sob Deodoro; em novembro de 1930, sob Getúlio...



...Em novembro de 1937, de novo sob Getúlio; em outubro de 1966, sob Castelo; em dezembro de 1968, sob Costa e Silva; e em abril de 1977, sob Geisel.



Inaugurada em 1985, a redemocratização injetara na cena política brasileira uma falsa suposição.



A suposição de que o Congresso emergiria do jejum imposto pela ditadura para um inaudito banquete de poderes. Deu chabu.



Esparramada na vastidão de seus 185 mil metros quadrados, a cidade escondida no interior do prédio de Niemeyer –com orçamento próprio, polícia particular, agências bancárias e restaurantes- reduziu-se a uma espécie de Chicago.



Uma Chicago entregue aos caprichos do Al Capone de plantão. Agora sob os aplausos de um Sarney que, tendo frequentado os dois lados do balcão, perdeu a noção do seu papel.



Natural. Sarney acaba de ser arrancado da grelha de um conselho sem ética graças à perversão que o leva a sentenciar, em timbre meio tantã: “Estamos diminuindo muito de qualidade”.

Escrito por Josias de Souza às 16h47

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